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Breves considerações sobre as divisões das funções comunitárias e a base política comum em A Partilh


Breves considerações sobre as divisões das funções comunitárias e a base política comum em A Partilha do Sensível, de J. Rancière. Por Naiara Paula

É exposto em A Partilha do Sensível que existe um devir comunitário que separa funções sociais no sensível (o corpo social, aquilo que se pode ver, tocar e interagir), ao mesmo tempo que instaura semelhanças. Rancière nos faz crer que se possa perceber a partilha do sensível sob uma divisão advinda de um ethos comunitário.

Partamos de um princípio de entendimento: Rancière explica que Platão, quando critica em sua filosofia as artes miméticas e seus artistas, não está exatamente contra a arte (mesmo porque arte como a conceituamos não visita as teorias platônicas e o conhecimento grego antigo), mas sim contra as imagens miméticas mais especificamente. Nesse sentido, o que há, na verdade, é uma não aceitação, na teoria de Platão, de que uma pessoa ocupe dois lugares sociais ao mesmo tempo, faça duas coisas ao mesmo tempo, confundindo assim esses lugares sociais. Para Platão, segundo Ranciere, os lugares sociais precisam ser bem determinados para evitar criações de fantasmas, simulacros, inverdades que prejudicarão a educação dos cidadãos da cidade ideal, um trabalhador comum não teria tempo para executar duas funções ao mesmo tempo, então precisa se dedicar com afinco àquilo ao que se pertence para que seja elaborado da melhor forma e, a melhor forma é a verdade e não as cópias das verdades. Posto isso, Ranciere segue explicando que, então, a partilha do sensível é o que organiza os lugares sociais, no sentido de trazer à luz as pessoas que podem ver, explicar de que maneira elas podem ver; quais pessoas podem falar e, de que maneira, a partir daquilo que fazem do seu tempo e espaço, elas podem falar. Uma vez observado quem ocupa tais lugares, o social está organizado, de modo que é possível aí encontrar-se num comum, já que todos participam comunitariamente, cada um a seu modo, para a formação de um ambiente único. Esse modo de prosseguir tornam os indivíduos comuns, mas também os particularizam, já que define a função específica de cada um, torna-o exclusivo – já que cada um deve ocupar apenas o seu lugar, sem simulacros – no sentido de definir quem pode, de uma certa forma, manipular o visível, tornar visível ou invisível.

Rancière nos diz que o espaço comum é o que nos liga ao imediatamente político, visto que é no espaço comum que definimos nossas relações com o outro, que entendemos sobre o que nos dedicaremos e de que forma faremos isso. É antes, no comum, que moldamos os fazeres, os diversos fazeres do sensível e qualificamos as visibilidades. Essa capacitação, legitimização, deslegitimação e molduras formais (de formas), do visível no comum, é o que ele chama de político. E essa base política articulada no lugar comum é onde toda essa articulação social capacita as visualidades e quem pode administrá-las, como num no devir. Nos incita a pensar que seria então mais correto discutir sobre as bases da política e de que maneira isso no comum determina as visualidades, do que como o externo modifica o comum e se isso é mesmo uma possibilidade densamente significativa.

Desse entendimento de que a base política vive intrínseca a comunidade, explica Rancière que caberia entender que, diferente do que nos escreve Walter Benjamim, não é a produção em larga escala que qualifica os objetos da visualidade, ou que os qualifica como arte, mais especificamente, mas um devir comunitário e, por isso, político, capaz de tornar o objeto especial. É preciso haver antes uma intenção, é preciso que algo torne aquele objeto um objeto de arte, ou ele seria para sempre apenas um objeto da técnica. Para exemplificar essa teoria, o autor dá o exemplo do jornal que circula em grande escala e dos operários que se reúnem após o trabalho para lerem os romances escritos nele. Para o autor, não é a grande escala de produção de jornal que faz com que o jornal chegue até os operários, tornando-o assim um objeto de arte; mas antes, a subversão do tempo e espaço. Os operários transgrediram suas funções sociais quando produziram um tempo e um espaço diferente para si, gerando com isso uma outra coisa. O que faz o objeto de produção técnica se tornar um objeto especial (ou de arte) é, na verdade, a organização ou reorganização espacial temporal alterando a teoria platônica, portanto, quando modifica, ainda no comum, o modo de manipulação das visualidades e, os modos de manipulação das visualidades, como escrito antes, é a base política se desenvolvendo no comum. Os operários ao se reunirem para ler o romance transformaram o corpo-trabalho (ou somente para o trabalho), num corpo-trabalho que se reúne para ler romances no jornal. É o comum organizando funções, qualificando-as assim como também as pessoas que as manipula, isso é o que desenha o retrato social, esse devir é que transforma as coisas e não o contrário. No entanto, agora, esse corpo ocupa mais de um espaço, realiza mais de uma função, subverteu-se a ordem platônica, reorganizou-se o espaço. Ainda assim, todo esse acontecimento é anterior, se dá na base do comum.

Podemos então entender com isso que a teoria tratada em A Partilha do Sensível, se ocupa de observar um momento anterior, um devir no comum, onde moram as bases políticas das grandes transformações. A teoria observa como as formas se organizam, como se qualificam e determinam as visualidades. A partir desse caminho seria possível entender e qualificar os momentos estéticos históricos que ele discute posteriormente mais a fundo em seu livro, que são eles: o Regime Estético das Imagens; Regime Poético ou Representativo; e o Regime Estético da Arte, discutindo com esses títulos de que forma as visualidades se relacionam no sensível.

Referências:

https://joaocamillopenna.files.wordpress.com/2015/05/ranciere-a-partilha-do-sensivel1.pdf - Consultado em Novembro de 2016.

Rancière, Jacques. A partilha do sensível/ Jacques Rancière; tradução de Mônica Costa Netto. —. São Paulo: EXO experimental org; Ed. 34, 2005.


 
 
 

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Imagem do cabeçalho: Mulher com duas crianças carregando uma cabaça na cabeça (Arugbá). Madeira, uáji, pigmentos outros. Século XIX.

 

Arte Iorubá atribuída a Kobi Ogun Kakeye d'Òràngun-Ìlá.

 

Museu de Arte, Foudation for the Arts Collection, Gift of Mr. and Mrs. Atanley. Dallas, EUA. Fonte: Babatunde Lawal. 

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